CONSTRUÇÃO DE PONTE RODOFERROVIÁRIA: Análise dos impactos econômicos e sociais de grandes projetos em Marabá
Os grandes empreendimentos na região sul e sudeste do Pará prometem gerar empregos, renda, mas é preciso analisar com os impactos sociais que recaem sobre a população como um todo.
Em Marabá (PA), a execução de um projeto bilionário de construção rodoferroviária suscita um antigo debate em torno da implantação de grandes projetos na Amazônia, especialmente na região Sul e Sudeste do Pará: a disparidade entre grandes investimentos em infraestrutura e a realidade socioeconômica da população. Iniciadas em 2022, a obra da segunda ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins, com 2,3 km de extensão, promete melhorar a logística de cargas da Estrada de Ferro Carajás e desafogar o trânsito urbano.
Com orçamento estimado em US$ 830 milhões (na cotação comercial de 6 de junho de 2025, cerca de R$ 5,60 por dólar), o valor totaliza aproximadamente R$ 4,65 bilhões. Trata-se de um dos maiores aportes privados já registrados no município, o que faz a população local olhar a iniciativa apenas pelo ótica dos benefícios econômicos para a região, por meio da dinamização da economia local e da geração de empregos, anunciados na ordem de 1.900 empregos diretos no pico da obra.
Contudo, conforme destaca o professor Evaldo Gomes Júnior, professor de economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (FACE/Unifesspa), apesar da articulação de muitos empregos na construção civil para viabilizar esses projetos, “essa fase é a mais efêmera do processo, e, historicamente outras experiências mostram que, depois do pico inicial, ocorre uma redução significativa no número de empregos diretos, enquanto a população continua chegando”.
Gráfico 1 - Impacto nos empregos - Construção de rodovias e ferrovias
Fonte: Painel de informações do novo Caged
Como observado no gráfico acima (Gráfico 1), as contratações aparecem de forma expressiva apenas a partir de 2022, concentradas nos setores de construção de obras de arte especiais (como pontes e viadutos) e de construção de rodovias e ferrovias, justamente os segmentos diretamente ligados à obra, também chamados de CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas). Antes disso, os saldos de empregos eram baixos, muitas vezes negativos ou irrisórios. Em 2020 e 2021, por exemplo, o saldo de empregos nos dois setores era majoritariamente negativo. Ou seja, o mercado de trabalho local só reage com força após o início da obra, o que levanta uma questão fundamental: o que acontecerá com esses empregos quando a construção for concluída em 2027?
Gráfico 2 - Impacto da construção nos empregos - Construção de obras de arte especiais
Fonte: Painel de informações do novo Caged
Em 2023, ano de maior avanço físico da obra, o setor de obras especiais registrou 1.885 admissões e um saldo positivo de 1.403 empregos (Gráfico 2). Em 2024, embora o número de admissões ainda seja expressivo (1.690), o saldo já caiu para 559. A mesma tendência se observa no setor de rodovias e ferrovias (Gráfico 1), após um saldo positivo de 1.107 empregos em 2023, houve uma queda brusca em 2024, com saldo negativo de -1.106. O pico da contratação, ao que tudo indica, já passou, mesmo com as obras ainda em andamento. Explica-se que essa redução se deve ao início do inverno amazônico, que trouxe chuvas intensas, obrigando a paralisação de alguns serviços, mas afirma que, após as chuvas, a expectativa é de que as contratações voltem aos números de pico.
Outro ponto de atenção é o impacto indireto sobre o custo de vida. Os impactos desses grandes empreendimentos na região pouco deixam benefícios sólidos e permanentes para a vida das pessoas, mas certamente tornam as cidades muito caras para se viver nelas, conforme explica o professor Gomes Junior. “Existe uma euforia em relação a investimentos ligados à mineração aqui na região, e essa euforia se manifesta na quantidade de pessoas que chegam cotidianamente, ou que circulam na cidade toda vez que um projeto de mineração começa a ocorrer”. Em cidades paraenses marcadas por grandes empreendimentos, como Marabá, Parauapebas e Canaã dos Carajás, por exemplo, o aumento da demanda por moradia, transporte e serviços costuma provocar uma pressão inflacionária local.
Em Marabá, os dados mais recentes indicam que a inflação habitacional acumulada em 2024 já alcança 13,86%, conforme levantamento do Laboratório de Inflação e Custo de Vida de Marabá (LAINC) com base no IPC municipal, refletindo o aumento expressivo dos custos com moradia e infraestrutura urbana que afeta diretamente o orçamento das famílias em geral.
Segundo Gomes Júnior, esse movimento tem implicações redistributivas importantes: “O acesso à moradia não é só uma discussão sobre direito básico. Toda família tem direito à moradia. Mas é uma inflação que se mostra superior e mais resiliente em relação aos índices gerais de preço. Isso representa uma transferência de renda de quem está pagando aluguel para quem está recebendo aluguel muito maior do que a média de variação de preços que acontece anualmente ou mensalmente.”
Apesar de Marabá e região serem muito celebradas com um município de forte pujança econômica (especialmente pelas atividades da mineração, do agronegócio e obras de infraestrutura), a magnitude dos projetos que se vinculam ao discurso desse modelo econômico contrasta com indicadores ambientais e sociais alarmantes, já que segundo os dados do Cadastro Único (CadÚnico) de 2023, cerca de 47% da população de Marabá vive com renda per capita inferior a meio salário mínimo, em situação de vulnerabilidade.
No aspecto territorial, a expansão urbana acelerada impulsionada pelos grandes empreendimentos de infraestrutura vem pressionando áreas ocupadas por comunidades ribeirinhas e tradicionais. Em 2023, uma pesquisa conduzida por estudantes de Psicologia da Unifesspa revelou que bairros como o Nossa Senhora Aparecida, nos pés da ponte rodoferroviária, seguem com acesso precário a saneamento, transporte público, educação e lazer, elementos essenciais para um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo.
Por isso, antes de celebrar a implantação de grandes empreendimentos na região, o que marca a história do referido território, inclusive, e considerá-los símbolo de avanço econômico, é preciso examinar com mais cuidado seus efeitos distributivos. O crescimento induzido por grandes projetos de infraestrutura, embora relevante no curto prazo, pode acentuar desigualdades se não vier acompanhado de políticas públicas estruturantes, qualificação profissional contínua, investimentos permanentes em saúde, educação e habitação popular, além de um planejamento urbano participativo, além de um planejamento urbano participativo, tendo em vista que são fundamentais para que empreendimentos dessa magnitude deixem um legado positivo de longo prazo.
A experiência de Marabá reafirma um dilema clássico das economias em desenvolvimento: grandes investimentos privados não garantem, por si só, o progresso regional. Monitorar os efeitos, exigir contrapartidas sociais claras e fortalecer as políticas públicas é o único caminho para evitar que essas obras, embora gigantescas, sejam monumentos mais vinculados à passagem do capital pela região do que representar desenvolvimento com raízes firmes no território.
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